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Tempos de ignorância ostentada
Todos nós estamos acompanhando os desdobramentos de uma
crise política que vem se arrastando há algum tempo e parece não haver solução
ou final feliz. Que há uma crise de representatividade política é verdadeiro,
no entanto não é só isso: vivemos um período em que o obscurantismo é crescente
e isso afeta não apenas a política, mas também a sociedade e as nossas relações.
Obscurantismo, segundo os dicionários Michaelis e Caldas
Aulete, significa um estado de completa ignorância. O Aulete vai mais fundo:
“Tendência política a dificultar o progresso intelectual ou o acesso do povo
tanto à ciência como às artes, com o fim de explorar suas crendices e
superstições”.
Posso dizer que sou do tempo em que a internet era “só
mato”. Por volta dos anos 2000 e 2001 a internet que acessávamos de forma bem
precária (com direito a CD de instalação para discadores como AOL e UOL) era uma
“novidade” que mudaria o mundo. Um fato concreto, sem dúvida: alguém consegue
se imaginar hoje sem internet? A rede mundial de computadores, dizia-se à
época, em pouco tempo revolucionaria a informação e o acesso ao conhecimento –
o que aconteceu. No futuro, acreditava-se, seríamos mais inteligentes. As
previsões otimistas pareciam se confirmarem quando a internet finalmente
popularizou-se e mais ainda com os smartphones. Nunca antes na História tivemos
acesso tão fácil e rápido às informações e ao conhecimento.
Contudo, o futuro chegou e em 2017 o que se lê e vê em redes
sociais, fóruns virtuais e até mesmo em portais de notícias é assustador:
movimento antivacina avançando com pais recusando a vacinar os filhos, a antiquíssima (e cientificamente refutada) teoria da Terra plana e seus
defensores apaixonados, discursos nacionalistas e xenófobos ganhando
ressonância com adeptos entusiasmados, apoiadores de intervenção militar,
professores sendo acusados de “doutrinadores marxistas-comunistas” e milhares
de idiotas da aldeia (usando a definição de Eco) ostentando ignorância com
orgulho. Não importam dados científicos, a História, os estudiosos, cientistas,
especialistas e os fatos: é o “1984” de Orwell acontecendo diante de nossos olhos. E ao vivo e em tempo real
disseminado por um clique via redes sociais e aplicativos de mensagens pelo
celular.
“A SOLUÇÃO É EDUCAÇÃO”.
MAS QUAL EDUCAÇÃO?
A culpa é da internet? Parece cômodo culpar o meio, mas não
é nada disso. Em passagem pelo Brasil em 2015, o sociólogo Manuel Castells afirmou
que “um país educado com internet progride. Um país sem educação utiliza a
internet para fazer ‘estupidez’". E prosseguiu: “O problema é a capacidade
de atuar através da internet, que depende, principalmente, do nível educativo e
cultural das pessoas.” Está bem claro qual é o problema e qual é a chave para
que possamos frear este obscurantismo e ignorância crescente nas redes.
Mas de qual Educação estamos falando? Vejamos o caso
emblemático de um político como Jair Bolsonaro: é impressionante a quantidade
de pessoas que concorda com o discurso e as ideias retrógradas e
preconceituosas do sujeito. A história fica mais assustadora quando verificamos
o perfil do eleitor de Bolsonaro: jovem (entre 16 e 34 anos) e com ensino
superior completo. Ou seja, são pessoas com elevado grau de escolarização.
Neste momento vale chamar a atenção para uma definição importante e tomo como
base a afirmação de Cortella: “escolarização é um pedaço dentro da Educação”. O
que temos na escola é parte de um processo contínuo e coletivo que envolve
diversos atores como a família (é bom lembrar que atualmente encontramos
modelos familiares diversos) e sociedade. No artigo 205 da Constituição podemos
ler que “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade”. Em suma, Educação não
é um projeto isolado que deverá ficar à cargo apenas da escola.
O Brasil deu um salto nos índices de escolarização nas
últimas décadas, porém isso não refletiu em uma Educação escolar melhor e de
qualidade para a população: não à toa encontramos universitários com sérias dificuldades em interpretação de textos básicos, apenas para citar uma face cruel do problema. Juntando este quadro desfavorável a um discurso superficial
porém sedutor para resolução de problemas históricos e complexos através de
medidas polêmicas e imediatistas (redução da maioridade penal, escola sem
partido, militarização das escolas, porte de armas, etc.) com um estilo
agressivo contra qualquer proposta ou tema que se considera “de esquerda” (como
Direitos Humanos, por exemplo) e ao desencanto neste período de crise (política
e econômica), temos um terreno fértil que pode ajudar a explicar o crescimento
de políticos como Bolsonaro e de tantos outros com o perfil parecido –
incluindo aqui fanáticos religiosos. Não é restrito ao Brasil e nem é algo
novo: o cientista e astrônomo Carl Sagan, na década de 1990, já dizia que alguns sinais de decadência
dos Estados Unidos não se devem apenas à “qualidade dos líderes, como também a
tendência decrescente de pensamento crítico e ação política nos seus cidadãos”.
A ESCOLA NÃO PODE
SILENCIAR
Como já ressaltado, a escola não pode agir de forma isolada
no processo educacional, mas também não pode se omitir e tampouco deixar se
intimidar pelo obscurantismo de movimentos como o Escola Sem Partido e outros
ao estilo “caça às bruxas”. É absolutamente imprescindível que a escola atue
também na formação da cidadania e sem descuidar da base científica. A escola e
os professores continuarão a ensinar Português, Matemática, Geografia, etc.,
porém sem deixar de lado as questões que envolvem o cotidiano e sejam
significativas. A recente Reforma do Ensino Médio como foi apresentada e aprovada limita a escolarização ao caráter
pragmático e tecnicista visando apenas o mercado de trabalho – e ninguém
discute o quanto é importante tal formação, porém não é só disso que
precisamos.
E do que precisamos? Precisamos de uma escola, nas palavras
de Vivane Mosé, “que não se acovarde diante das perguntas mais difíceis, como a
morte, o tempo, a dor, a violência, a discriminação social, étnica, religiosa,
mas que construa espaços nos quais essas questões sejam discutidas, pensadas”. É
fato que nós, professores, lidamos diariamente com uma grande carga de
responsabilidades (até maior do que podemos ou estamos habilitados a suportar),
mas principalmente neste momento em que a ignorância grassa assustadoramente temos
uma árdua tarefa – e isso inclui novos olhares, novas formações (além do
pedagógico) e uma “aprendizagem de desaprender” não apenas para a sala de aula
escolar, mas para esta grande sala de aula que é o mundo.
Referências:
Cortella, Mário Sérgio. Educação, escola e docência: novos
tempos, novas atitudes. São Paulo: Cortez, 2014.
Mosé, Viviane. A escola e os desafios contemporâneos / organização e
apresentação Viviane Mosé. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.
Sagan, Carl. Bilhões e bilhões: reflexões sobre vida e morte na virada do milênio. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
Excelente reflexão, Jaime. O problema não é a ideia da internet, pois a ideia é fantástica. O problema é o tal do usuário, ou seja, os homens. A internet tem uma certa liberdade. E a liberdade é algo que o homem, historicamente falando, nunca soube lidar. Por isso, que nós observamos tantos pontos negativos da nova era tecnológica. E sinceramente me preocupa quando escuto que a internet é uma nova fonte de conhecimento. Beijinhos estalados.
ResponderExcluirOlá Jaime, que texto esclarecedor! Parabéns!!!!
ResponderExcluirDiante de tantas barbaridades obscuras que vemos na internet atualmente, ler um texto desta categoria, ainda nos faz acreditar que existe um feixe de luz... Um graveto que poderá ser aceso e expandir cultura por aí. Mas amigo, pessoas esclarecidas e com um nível de cultura e pensamento critico como os seus, estão se tornando raras, quiçá, estão desaparecendo engolidas pelo turbilhão que tornou-se a internet.
Amigo, sou do tempo da internet discada. Lembro-me com nostalgia do CD de instalação do AOL e UOL. Usei o do UOL e até hoje lembro-me da minha cara de felicidade ao ler uma página de notícias que demorava séculos para carregar. Mas era ela, a internet chegando e dizendo que traria um elevado nível cultural a todos que tivessem acesso. É lamentável que quase duas décadas depois a história é outra. Chega a dar medo amigo.
Desejo uma semana grandiosa amigo e mais uma vez, obrigada!
Beijos!! :)))
A Internet sem dúvida é uma grande ferramenta para a humanidade. Mas a educação,ética, civilidade entre outras começa dentro de casa,no berço. Boa reflexão. Ab
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