Viver para trabalhar ou trabalhar para viver?


Há alguns meses o presidente da Confederação Nacional das Indústrias, Robson Braga de Andrade, afirmou que o país necessita de “mudanças duras” na legislação trabalhista brasileira para retomar a competitividade da indústria e citou o exemplo da França, com a possibilidade em estender a jornada de trabalho para até 60 horas semanais.

Ao tomar conhecimento da fala do presidente da CNI lembrei o período em que trabalhei 60 horas semanais na área de Educação. Manhãs, tardes e noites preenchidos pelo trabalho e sem falar nos finais de semana em que eu não conseguia me desligar dos deveres profissionais e levava serviço para casa – provas e trabalhos para corrigir, preparação dos planos de aula/curso e material didático. O resultado deste ritmo foi desastroso sob todos os aspectos, sobretudo no campo emocional.

Mesmo após largar o “turno extra” e agora com a carga “normal” de 40 horas semanais, ainda assim dedico muito tempo ao trabalho fora dele (e quem é professor sabe que a sala de aula está por toda a parte: um filme na TV, uma música no rádio ou um cartaz na rua pode se transformar em plano de aula), embora não cometa mais loucuras como levar pilhas de papel para casa nos finais de semana. Já repararam, aliás, que o fim de semana aos poucos vai sendo engolido pelo trabalho?

O sonho da humanidade durante a chamada Revolução Industrial era reduzir o tempo de trabalho humano – as máquinas fariam todo o esforço. Não foi bem isso o que aconteceu: hoje continuamos trabalhando demais (até 15 horas diárias, como no caso de muitos executivos) e com as tecnologias, principalmente da comunicação, estamos sempre “disponíveis” para assuntos profissionais aos sábados, domingos, feriados e madrugadas. Geralmente a coisa toda começa com um “vestir a camisa da empresa” até chegar o momento em que você ganha uma “nova família”, ou seja, a empresa - isso sem falar no “patrão amigão” para o qual você moverá todos os esforços “em nome da amizade”.

“Seria glorioso ver a humanidade ter descanso uma vez na vida. É só trabalho, trabalho, trabalho”. Parece algo muito atual, mas isso foi escrito há mais de 150 anos por Henry Thoreau, no ensaio “Vida sem princípios” (publicado em 1863). Thoreau condenava o modelo de vida baseado no excesso de trabalho, consumo e velocidade e em sua principal obra, Walden (1854), ele aconselha: “Simplicidade, simplicidade, simplicidade! Eu digo: reduza suas atividades a duas ou três, e não a cem ou mil”. Não parece ser um ótimo conselho para estes nossos tempos repletos de atividades?

Como reduzir o ritmo e o excesso de atividades? Não existe uma receita ou fórmula mágica para resolver isso, afinal cada pessoa elenca quais são suas prioridades na vida e sabe (ou deveria saber) onde o calo dói; no entanto, eu diria que uma virtude é necessária para quem procura reduzir o ritmo de trabalho: coragem. Coragem de abrir mão de um horário extra, de um dinheiro extra; coragem para admitir que não consegue (e não pode) abraçar o mundo de uma só vez; coragem para desconectar ou ao menos ignorar as inúmeras mensagens no celular à noite e nos finais de semana; coragem para dizer “não” a algumas demandas e exigências profissionais que surgem de última hora e cujo prazo “é para ontem”; coragem para cortar determinados consumismos – como dizia meu avô, se você ganha 10 não queira viver como se ganhasse 20. 

Parece algo que um ermitão, um asceta hindu ou um monge budista diria e soa até como idealista (ou ingênuo) diante de tantas contas, dívidas e necessidades que assumimos no dia a dia, além das ameaças de patrões com o desemprego; porém, não deveríamos nos submeter a jornadas extensas e cansativas que são prejudiciais à saúde  e dedicando todo o tempo para o trabalho, transformando nossas vidas em uma lógica como esta descrita por Domenico de Masi no livro "O ócio criativo":

O funcionário deve demonstrar ao chefe que o tempo não é suficiente, que tem muita coisa para fazer e que é tão prestimoso e fiel à empresa, que se dispõe a assumir todas essas tarefas no overtime, até mesmo gratuitamente. Portanto, sacrifica a família e o lazer a este mito que é a empresa, colocando em primeiro lugar, acima de coisa. Por conseguinte, o chefe age de modo que a promoção, o aumento salarial ou somente o relacionamento de confiança dependam da fidelidade do empregado para com a empresa.

Tal lógica não é saudável para ninguém e nem mesmo para as empresas e para a própria sociedade. É sempre difícil quebrar paradigmas e padrões aos quais fomos condicionados, mas é preciso mudar alguns destes padrões, ou melhor, ter a coragem para mudar - a partir de pequenas mas significativas atitudes. E mais uma vez o nosso Thoreau apresenta boa dica para aquelas mensagens de trabalho no celular durante as madrugadas ou finais de semana: "Um homem é rico na proporção das coisas que ele é capaz de deixar de lado".        

3 comentários:

  1. Jaime, palavras e olhares sábios frente a ilusões maquiadas nos dias atuais... E o pior é que toda essa distorção diz-se com fins de uma vida feliz... Texto inspirador!!! Daniellla Gomes

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  2. Suas palavras além de pertinentes a um contexto político tenebroso que estamos vivenciando, são tb uma lembrança de quem somos e de fato o que nos é realmente precioso..." simplicidade, simplicidade, simplicidade". Marta Sampaio

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  3. Suas palavras além de pertinentes a um contexto político tenebroso que estamos vivenciando, são tb uma lembrança de quem somos e de fato o que nos é realmente precioso..." simplicidade, simplicidade, simplicidade". Marta Sampaio

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