Tão aguardada quanto a lista dos aprovados no vestibular e a
lista de Papai Noel, a relação dos políticos envolvidos na operação “Lava Jato”
foi divulgada. A reação mais comum entre os acusados foi jurar inocência e
surpresa perante a opinião pública, porém ninguém chamou mais a atenção do que
o atual vice-governador da Bahia, o senhor João Leão, do Partido Progressista:
“Botar meu nome numa zorra dessas? Não entendo. O que pode
ser feito é esperar ser citado e me defender. Estou cagando e andando, no bom
português, na cabeça desses cornos todos.”
Percebe-se que o vice-governador baiano, dono de refinado
vocabulário, sabe escolher bem as palavras gentis para sua defesa. Na verdade ele expressa o que a
maioria da classe política brasileira faz cotidianamente: está “cagando e
andando” para mim, para você e para qualquer coisa que não seja de interesse
pessoal ou dos comparsas partidários. O escritor Lima Barreto, autor do ótimo
“Os Bruzundangas”, apresenta uma sátira política e social publicado em 1923 e
que continua muito atual:
“O cargo dá-lhe certos incômodos, mas muitas vantagens: não
paga selo nas cartas, não paga bonde, trem, nem teatros, onde continua a quase
não ir. O que o aborrece, sobretudo, são as audiências públicas – uma
importunação para esse parente de São Luiz. Mais o amolam do que lhe dão fadiga.
Ao sair de uma delas, diz à mulher:
- Que povo aborrecido!
- Mas que tem você com o povo?”
Voltando ao gentleman João Leão: em 2010 foi eleito deputado federal com mais de 200 mil votos. E os políticos citados na operação
Lava-Jato, deputados e senadores, não chegaram ao Congresso sem passar pelas
eleições – e alguns deles são velhos conhecidos e frequentadores assíduos das
páginas de escândalos políticos, como o senhor Renan Calheiros. E com isso a
pergunta é inevitável: será que não estamos “cagando e andando” também não
apenas em relação à política, mas em algumas ações cotidianas que deveriam ser
mais cidadãs?
Lembro uma situação
emblemática: com o carro parado no semáforo vermelho, vi o sujeito no veículo
ao lado do meu jogar uma latinha de cerveja na rua. Com um tom mais agradável
que eu pude encontrar, chamei a atenção do rapaz sobre descartar o lixo daquela
maneira; com uma cara de poucos amigos, o sujeito olhou para mim e soltou a
pérola: “Fique na sua!”. Duplamente equivocado, pensei: sabe-se lá quantas
cervejas aquele rapaz consumiu e ainda assim estava dirigindo colocando em
risco não apenas a própria vida como também a de outros motoristas e pedestres;
e aquela latinha vai juntar-se a tantas outras jogadas na rua e entupirá
bueiros – na primeira chuva mais forte veremos as consequências do “fique na
sua”, um equivalente, neste caso, ao “estou cagando e andando” para a cidade,
para a cidadania, para o meio ambiente, para outras pessoas.
Os exemplos são inúmeros, basta observarmos com atenção
diversas situações onde o “cagando e andando” parece prevalecer na sociedade –
desde jovens rapagões e moças malhados em academia estacionando seus veículos
nas vagas destinadas para deficientes e idosos até juízes que deveriam zelar
pelo cumprimento das leis e que fazem uso da “carteirada” e utilizam bens apreendidos
pela Justiça de forma pessoal.
O grande problema, nas palavras do professor Mário Sérgio Cortella, é que “estamos nos acostumando – com rapidez e sem resistência ativa
– com alguns desvios que parecem fatais e inexoravelmente presentes, como se
fizessem ‘parte da vida’: violência, desemprego, fome, corrupção e outros.”. Ficamos
indignados – e com razão - pelas grandes corrupções em que políticos e empresários
estão envolvidos, porém muitos de nós estamos “cagando e andando” para as
chamadas “pequenas corrupções” cotidianas e considerando as mesmas como “normais”.
São as contradições que infelizmente não tornam muitos de
nós tão diferentes dos políticos que foram eleitos e que estão literalmente “cagando
e andando” para a sociedade.