“Ora, não se sabe como, ocorre que no país
apareceu um homem honesto. À noite, em vez de sair com o saco e a lanterna,
ficava em casa fumando e lendo romances”. (1)
Eis um trecho do conto “Ovelha Negra”, em que Italo Calvino conta a história de um país onde todos os seus habitantes eram ladrões - “ à noite, cada habitante saía,com a gazua e a
lanterna, e ia arrombar a casa de um vizinho” - até aparecer um homem honesto e
promover algumas mudanças no comportamento dos habitantes.
Quando ligamos a TV, sintonizamos uma emissora
de rádio, lemos os jornais e acessamos a internet em busca das notícias do dia,
a impressão é que estamos vivendo em um país de ladrões: encontramos fartas
informações sobre corrupção em todos os níveis, políticos envolvidos em
falcatruas e desvios de verbas públicas, governos que não cumprem Leis como a
Lei do Piso do Magistério, empresas de telefonia e de planos de saúde
oferecendo as melhores vantagens em propagandas muito bem elaboradas e na prática descumprindo o que está
determinado em contrato, enfim, diversas situações que levam ao desânimo e ao
perigoso conformismo de achar tudo isso “normal”.
Talvez por isso seja surpreendente a notícia
de um casal “morador de rua” – como alguém pode morar na rua? - em São Paulo que encontrou um saco com R$ 20 mil reais e procurou a polícia para devolver o dinheiro. Este casal sobrevive
catando material reciclável nas ruas e ganhando R$ 15 por dia. Tal notícia não
passa indiferente nas rodas de conversa: há os admiradores deste ato de
honestidade e há quem lamente “o azar” de não encontrar um saco de dinheiro com
tamanha quantia; e há quem recrimine o ato da devolução utilizando o famoso
ditado “achado não é roubado”.
Também há comentários que expressam, com
desalento, o fato de uma prática que deveria ser regra ser tratada de forma
extraordinária, como se a pessoa honesta fosse um extraterrestre cuja nave
pousou neste planeta por engano. A descrença no valor da honestidade, contudo,
não é de hoje: a Grécia antiga nos apresenta o pitoresco caso de Diógenes, o
cínico, que saía às ruas de Atenas com uma lamparina procurando “o homem
verdadeiro” - e dentre as virtudes deste
homem ideal estava a honestidade. Séculos mais tarde foi a vez de Balzac: “Mas
então, vão dizer, é necessário desconfiar de todos? Já não há pessoas honestas?
(...) Sim! Desconfiem de todos, mas nunca deixem transparecer sua desconfiança”.
(2)
Em meio à avalanche de informações disponíveis em diversas mídias, encontrar
notícias que tragam algum alento e esperança sobre valores além dos financeiros
e consumistas pode ser realmente uma tarefa difícil, mas elas existem. E
deveriam ser mais divulgadas para que se evite cair em duas linhas de
pensamento perigosas: a do conformismo e a desconfiança de que vivemos, como no
conto de Calvino, em um “país de ladrões”.
Epílogo: diferentemente do que aconteceu à
“ovelha negra” no conto de Italo Calvino, o casal de São Paulo foi reconhecido
pela honestidade e o dono do estabelecimento premiou essas pessoas com a oferta de um emprego. Este é outro detalhe a ser ressaltado, pois
honestidade e gratidão devem caminhar juntas.
1. Calvino, Italo. Um General na Biblioteca. Tradução de Rosa Freire D´Aguiar - São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
2. Balzac, Honoré. Código dos homems honestos,
ou, A arte de não se deixar enganar pelos larápios. Tradução de Léa Novaes –
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005.