
Eu até gosto do carnaval - mais por conta do baita feriadão, do clima de alegria numa espécie de “fim de férias e fim de verão” do que propriamente da folia. Há quem diga “é por isso que o Brasil não vai pra frente, o povo não trabalha”. Ora, o brasileiro também dedica muitas horas ao trabalho, mais até do que muitos países por aí. O Brasil "não vai pra frente" não é por culpa do carnaval, mas sim por uma série de motivos que não estou com paciência para escrever aqui neste momento.
A essência do carnaval, penso, são os blocos tradicionais que saem com suas marchinhas e todas aquelas fantasias e brincadeiras em algumas cidade, principalmente nas cidades de pequeno porte. É bom não confundir este carnaval que ainda existe (e persiste) com o carnaval gigantesco e midiático “pra turista” ver e, principalmente, pagar. Mas vivo em Salvador, a cidade da turminha do axé e dos blocos milionários que jogam na rua o xixi e o cocô dos carros de apoio; a cidade de ritmos alucinantes como o Rebolation-chon-chon e de músicas super bacanas do tipo “vou te comer/vou te comer/vou te comer” – só mesmo no carnaval para o sujeito apontar para uma mocinha, cantar no ouvido da beldade “vou te comer” e ganhar um sorrisão ou até um beijo. Assim, admito que tenho algumas dificuldades aqui.
Viajar? Seria uma boa ideia, se a farra dos impostos de início de ano não levassem embora meus parcos recursos financeiros. Filmes? Acreditem0: eu sou uma criatura pra lá de estranha que não é muito chegada a filme, cinema. Acomodar-se em um sofá para assistir a um DVD tem que ser algo excepcional – uma gripe braba, por exemplo. Como não foi o caso este ano, me preveni na livraria e comprei um livrinho bacana de crônicas do João Ubaldo, além do meu mensal e religioso gibi do Tex Willer, o caubói americano branco que é chefe de uma tribo indígena e os desenhos e roteiros são 100% italianos. É, eu sei que isso pode ser esquisito, mas não pensem assim, pois de esquisito já basta o escritor dessas mal digitadas.
Só que seria injusto ficar esse tempo todo socado dentro de casa enquanto a rua está cheia de atrações. Não dá para cair na folia, pois não quero passar por fortes emoções: já basta o que meu coração e minha triste alma apanharam nos últimos dias. Tem um carnaval de marchinhas à moda antiga no Pelourinho, mas na última vez em que eu apareci lá havia tantos trombadinhas roubando até fitinha do senhor do Bonfim amarrada nos pulsos dos desavisados foliões que preferi não arriscar.
O que me dizem então, em pleno carnaval soteropolitano em que reinam Ivete Sangalo, Daniela Mercury, Rebolation-chon-chon (isso gruda na mente e não larga mais) e Claudinha Milk, encontrar um lugar onde só se vê gente de coturno, camisetas pretas do Iron Maiden e de bandas que eu nunca ouvi falar? (e desconfio que boa parte daquela molecada também.)
Existe e eu fui conferir: trata-se de um festival de rock em plena orla de Salvador, durante o período carnavalesco. Legal, algo diferente de se ver, né? Pensei assim e fui lá conferir as atrações no domingão do rockão. Afinal, o evento é de graça, que mal tem?
Com a típica pontualidade baiana, o primeiro show marcado para começar às 17 horas só foi começar lá pelas 18 e alguma coisa. E a banda era bem legal, um estilo de rock anos 70 que eu gosto. E teve releitura rocker do Zé Ramalho e cover do Led Zepellin! A coisa começou muito bem. Cheers!
O local começava a encher de gente vestida com camiseta preta do Iron Maiden. “Iron é massa, véi!”. Não, “iron” é ferro, véi! Mas esqueçam a aula de inglês. Comecei a ficar preocupado quando um dos organizadores, ao final da apresentação da primeira banda, tomou o microfone e mandou ver um discurso contra os “vândalos que tentaram destruir o palco ontem à noite”. Como essas coisas não saem na imprensa – aliás, é mister perguntar qual a função da imprensa neste período além de promover siliconadas e eliminadas do BBB – perguntei a um jovem ( vestido com a camiseta do Iron, claro) o que aconteceu ontem à noite.
- Pô, véi, muito foda, uns carinha atrás de briga puxando faca, quereno subir no palco, aí uns começa a chutá o palco, puxá os fio, pô véi, mó baixaria!
Aí fiquei preocupado de verdade: o local começava a encher de gente, a maioria adolescente com aquele jeito de "revoltadinho contra o sistema" ( saudade dos meus 16, 17 anos!) e as bandas na sequência, pelo o que pude conferir na programação, eram todas de hardcore e até metal. Vi uns "armários" que faziam a segurança do evento e mais nada - sim, pensei nos "carinha atrás de briga puxando faca", véi.
Nisso a segunda banda começou a tocar. Era uma banda de nome estranho, tipo “Ignorantius”, coisa assim. O som parecia uma tonelada de dinamite explodindo nos desfiladeiros do Arizona. Sim, comecei a ter saudade da minha rede na varanda e dos gibis do Tex. O vocalista cantava uma canção bastante interessante: “ grahum granhum nhumnhugrau grahummm arrrrrrr grrrrnhaaaaaa!!!!” E a molecada ia ao delírio, socando uns aos outros. Pô, nos meus 14 anos o “pogar” tinha mais classe.
Eu estava à distância ( muito à distância, diga-se de passagem) observando tudo aquilo quando colou uma gordinha tomando cerveja e toda de preto, com camiseta que não era do Iron Maiden – e isso era um ponto positivo pra ela – mas em compensação era de uma banda de nome quase ilegível e com o cramunhão estampado bem grande em vermelho. Mas gostei do espírito da coisa: pensei que seria uma camiseta bacana para assistir a uma missa católica ou a um culto evangélico. E a moça tentou puxar assunto:
- Massa, né? Salvador é rock, porra! Morte ao pagode e ao axé!
- Hã...é, se bem que tem espaço pra todos, né?
- A porra! O rock não tem espaço nenhum nessa merda, é tudo pagode e axé, véi, essas pragas alienadoras do povão! ISSO é que é música, véi!
Não esperei pela segunda música da “Ignorantius” ou seja lá qual fosse o nome da banda. O local já começava a lotar, a galerinha parecia muito nervosa - essa galerinha que acha que rebeldia rocker é ter jeitinho enfezado e briguento – e resolvi dar no pé antes que atração mais esperada da noite, o Dead Fish, desse o ar da graça.
No caminho parei num posto de gasolina que tem essas lojas “vende tudo”, comprei um pacote de amendoins e segui definitivamente o rumo de casa. Ao chegar no lar doce lar, armei a rede na varanda, peguei o livro do João Ubaldo, bati um suco de pitanga, amendoim na tigela e liguei o som. Botei o “Let it Be” dos Beatles pra tocar e fiquei pensando na última frase da gordinha lá do evento: isso é que música, véi!
Viajar? Seria uma boa ideia, se a farra dos impostos de início de ano não levassem embora meus parcos recursos financeiros. Filmes? Acreditem0: eu sou uma criatura pra lá de estranha que não é muito chegada a filme, cinema. Acomodar-se em um sofá para assistir a um DVD tem que ser algo excepcional – uma gripe braba, por exemplo. Como não foi o caso este ano, me preveni na livraria e comprei um livrinho bacana de crônicas do João Ubaldo, além do meu mensal e religioso gibi do Tex Willer, o caubói americano branco que é chefe de uma tribo indígena e os desenhos e roteiros são 100% italianos. É, eu sei que isso pode ser esquisito, mas não pensem assim, pois de esquisito já basta o escritor dessas mal digitadas.
Só que seria injusto ficar esse tempo todo socado dentro de casa enquanto a rua está cheia de atrações. Não dá para cair na folia, pois não quero passar por fortes emoções: já basta o que meu coração e minha triste alma apanharam nos últimos dias. Tem um carnaval de marchinhas à moda antiga no Pelourinho, mas na última vez em que eu apareci lá havia tantos trombadinhas roubando até fitinha do senhor do Bonfim amarrada nos pulsos dos desavisados foliões que preferi não arriscar.
O que me dizem então, em pleno carnaval soteropolitano em que reinam Ivete Sangalo, Daniela Mercury, Rebolation-chon-chon (isso gruda na mente e não larga mais) e Claudinha Milk, encontrar um lugar onde só se vê gente de coturno, camisetas pretas do Iron Maiden e de bandas que eu nunca ouvi falar? (e desconfio que boa parte daquela molecada também.)
Existe e eu fui conferir: trata-se de um festival de rock em plena orla de Salvador, durante o período carnavalesco. Legal, algo diferente de se ver, né? Pensei assim e fui lá conferir as atrações no domingão do rockão. Afinal, o evento é de graça, que mal tem?
Com a típica pontualidade baiana, o primeiro show marcado para começar às 17 horas só foi começar lá pelas 18 e alguma coisa. E a banda era bem legal, um estilo de rock anos 70 que eu gosto. E teve releitura rocker do Zé Ramalho e cover do Led Zepellin! A coisa começou muito bem. Cheers!
O local começava a encher de gente vestida com camiseta preta do Iron Maiden. “Iron é massa, véi!”. Não, “iron” é ferro, véi! Mas esqueçam a aula de inglês. Comecei a ficar preocupado quando um dos organizadores, ao final da apresentação da primeira banda, tomou o microfone e mandou ver um discurso contra os “vândalos que tentaram destruir o palco ontem à noite”. Como essas coisas não saem na imprensa – aliás, é mister perguntar qual a função da imprensa neste período além de promover siliconadas e eliminadas do BBB – perguntei a um jovem ( vestido com a camiseta do Iron, claro) o que aconteceu ontem à noite.
- Pô, véi, muito foda, uns carinha atrás de briga puxando faca, quereno subir no palco, aí uns começa a chutá o palco, puxá os fio, pô véi, mó baixaria!
Aí fiquei preocupado de verdade: o local começava a encher de gente, a maioria adolescente com aquele jeito de "revoltadinho contra o sistema" ( saudade dos meus 16, 17 anos!) e as bandas na sequência, pelo o que pude conferir na programação, eram todas de hardcore e até metal. Vi uns "armários" que faziam a segurança do evento e mais nada - sim, pensei nos "carinha atrás de briga puxando faca", véi.
Nisso a segunda banda começou a tocar. Era uma banda de nome estranho, tipo “Ignorantius”, coisa assim. O som parecia uma tonelada de dinamite explodindo nos desfiladeiros do Arizona. Sim, comecei a ter saudade da minha rede na varanda e dos gibis do Tex. O vocalista cantava uma canção bastante interessante: “ grahum granhum nhumnhugrau grahummm arrrrrrr grrrrnhaaaaaa!!!!” E a molecada ia ao delírio, socando uns aos outros. Pô, nos meus 14 anos o “pogar” tinha mais classe.
Eu estava à distância ( muito à distância, diga-se de passagem) observando tudo aquilo quando colou uma gordinha tomando cerveja e toda de preto, com camiseta que não era do Iron Maiden – e isso era um ponto positivo pra ela – mas em compensação era de uma banda de nome quase ilegível e com o cramunhão estampado bem grande em vermelho. Mas gostei do espírito da coisa: pensei que seria uma camiseta bacana para assistir a uma missa católica ou a um culto evangélico. E a moça tentou puxar assunto:
- Massa, né? Salvador é rock, porra! Morte ao pagode e ao axé!
- Hã...é, se bem que tem espaço pra todos, né?
- A porra! O rock não tem espaço nenhum nessa merda, é tudo pagode e axé, véi, essas pragas alienadoras do povão! ISSO é que é música, véi!
Não esperei pela segunda música da “Ignorantius” ou seja lá qual fosse o nome da banda. O local já começava a lotar, a galerinha parecia muito nervosa - essa galerinha que acha que rebeldia rocker é ter jeitinho enfezado e briguento – e resolvi dar no pé antes que atração mais esperada da noite, o Dead Fish, desse o ar da graça.
No caminho parei num posto de gasolina que tem essas lojas “vende tudo”, comprei um pacote de amendoins e segui definitivamente o rumo de casa. Ao chegar no lar doce lar, armei a rede na varanda, peguei o livro do João Ubaldo, bati um suco de pitanga, amendoim na tigela e liguei o som. Botei o “Let it Be” dos Beatles pra tocar e fiquei pensando na última frase da gordinha lá do evento: isso é que música, véi!