
A capa da MAD, digo, VEJA desta semana traz o Tio Sam em sua pose clássica, com o dedo em riste, segurando um punhado de dólares e em letras garrafais “EU SALVEI VOCÊ!”
Claro que tal capa e matéria principal fazem referência à crise nos EUA e como o governo foi “hábil” em socorrer instituições bancárias falidas. Isso, um PROER (programa do governo FHC que usou dinheiro público para fazer a festa de banqueiros e mega-especuladores que estavam literalmente na merda) de US$ 700 bilhões para salvar a pele dos milionários que estão numa pior. Dinheiro do orçamento público norte-americano.
Não é curioso que esse “livre mercado”, o qual não aceita a interferência estatal em seus negócios, tenha que recorrer justamente ao Estado para sanar suas perdas nas roletas especulativas das bolsas de valores?
E o mais interessante de tudo: enquanto a grande imprensa brasileira tenta “informar” aos brasileiros os efeitos da crise de lá em nossos vazios bolsos de cá e glorificam o PROER do Bush com opiniões “abalizadas de especialistas econômicos”, deixam de lado quem realmente tem algo importante a dizer: a opinião pública norte-americana.
O blog do Azenha publicou a mensagem de um leitor do Texas no jornal “The New York Times”. Apenas um trechinho para vocês, bravos e raros leitores desta Grooeland:
Quem vai me salvar? Tenho dois filhos que vão se formar no ensino médio e nos perguntamos onde vamos conseguir dinheiro para pagar a faculdade. Empregos? Não conseguem encontrar. Nossos pequenos investimentos sumiram. Os Estados Unidos não têm dinheiro para a infraestrutura decadente, educação, saúde, mas encontraram dinheiro para salvar os bancos?
O texano deveria perguntar aos editores da revista VEJA, já que Tio Sam salvou eu, você, o texano, todo o mundo.
E outra coisa que a Miriam Sabe-Tudo Leitão, a anta do Mainardi e o Tio Boris CCC não dizem: os norte-americanos “normais”, que não são especialistas em economia ou mercados financeiros não estão nada satisfeitos com o PROER do Bush. Os blogs e vídeos no youtube com opiniões nada favoráveis ao PROER estão fervendo. Cerca de 1000 postagens por dia sobre a crise e com críticas ao programa estão surgindo na blogosfera. Um blogueiro norte-americano calculou o que daria pra fazer com US$ 700 bilhões em algumas áreas. Daria pra manter 23 milhões de universitários norte-americanos em uma universidade pública, por exemplo.
Vou além. Já foi citado aqui neste blog o livro “Planeta Favela”, de Mike Davis, que faz duras críticas justamente a esse modelo que fez a fortuna de especuladores e elevou-os ao status de “empresários bem-sucedidos”. Pois bem, preste atenção neste pequeno trecho que Davis, com base em relatórios do próprio Banco Mundial, demonstra o que dá pra fazer com bem menos que US$ 700 bilhões:
“Especificamente, a África subsaariana é o lar de mais de 25 milhões de pessoas que sofrem com o HIV e a aids.[...] todos os dias, na África, mais de 5 mil pessoas morrem de aids. Os especialistas estimaram que a comunidade mundial precisa investir 7 – 10 bilhões de dólares anualmente para combater o HIV e a aids, assim como outras doenças como tuberculose e malária. No entanto [...]os países africanos continuam a pagar 13,5 bilhões de dólares por ano de serviço da divida externa a países e instituições credoras”.
DAVIS, Mike. Planeta Favela.
Reparem que algo em torno de 7 a 10 bilhões de dólares anualmente ajudariam milhares de pessoas. E 77 milhões de crianças no mundo inteiro estão fora da escola por “n” motivos – e um desses motivos é que essas crianças têm que trabalhar para complementar a renda doméstica.
Retomamos, então, à capa da “revista” VEJA: “EU SALVEI VOCÊ!”. As pessoas na África subsaariana estão aguardando. Milhares de crianças, também. Os próprios norte-americanos. Os brasileiros? Talvez uma parcela da classe média que vive de créditos de 20, 30 anos para pagar viagens a Miami e Nova Iorque, trocar de carro todos os anos e financiar apartamentos (já notaram como estão cada vez menores, mas tem “área de lazer”?) esteja aliviada com a (até agora) solidez da economia brasileira – embora seja uma economia de farra de créditos e juros. Tomara que a bomba não estoure por aqui também, afinal não é só a chamada classe média que vem se beneficiando de linhas de crédito para financiamento de bens ( casa própria, por exemplo). Seria catastrófico para quem tem dívidas a perder de vista.
Sinceramente, estou curioso para saber qual será a próxima capa da VEJA e o seu conteúdo. Deve ser algum tema relacionado a fitness ou os novos gadgets e brinquedinhos tecnológicos que fazem a cabeça da galera. Afinal, como dizia o Coringa, estamos em um mundo capitalista... e precisamos continuar nele.
A salvos, de preferência sob as bençãos do Tio Sam.
